Zivot je cudo?
A Vida é Um Milagre não é um filme mau, ou melhor, não é um mau filme, mas isso não chega para ser um filme bom do Kusturica. Passo a explicar: o Kusturica é o gajo que fez o Underground - que é dos melhores filmes que vi na minha (curta) vida; ao Kusturica já se pode exigir mais, e é por isso que este milagre não é nada de especial. Não deixa de ser engraçado, no entanto, que o problema maior de Zivot je Cudo é ser demasiado "kusturiquiano".
O Kusturica, como qualquer pessoa que consiga ler esta sequência de letras - WOIAJWD - pode constatar, tem uma maneira de conceber o cinema, e de filmar, muito própria. Não vale a pena estar para aqui a enumerar exaustivamente as características, vocês sabem - alguns até melhor do que eu - que estamos a falar do hiper-realismo, da música cigano-frenética que vai acompanhando os personagens, ou mesmo do Fellini dos Balcãs, como lhe chamam alguns críticos pouco inspirados, entre outras coisas.
Continuando, e, já agora, indo directamente à questão: há uma evolução - ou mesmo uma contínua revolução, se os esquerdotes preferirem - na obra do Kusturica. Mesmo que se mantenha um estilo, este sofre sempre reinvenções, cresce, amadurece, torna-se mais consistente. Assim, antes de 1995 a obra do sérvio só podia caminhar para esse magnífico Underground (a que eu tive acesso imediato, porque, felizmente, tenho uma tia cinéfila que em vez de me dar dinheiro para gelados me levava ao cinema). Depois de ver Underground descobri (e, na altura, sem Internet!) haver When Father Was Away on Bussiness e Time of The Gypsies que, juntando o Arizona Dream, tornavam um Underground inevitável. Argumentarão alguns, bem-intencionados, que Arizona Dream é uma poia de filme; não estando muito longe da verdade. Mas, permitam-me, o filme vale a pena por três razões: cenas do ponto de vista cinematográfico que são extremamente interessantes, Vincent Gallo a fazer a imitação mais hilariante da história do cinema e Jerry Lewis a vender cadillacs.
Tudo isto leva-nos, invariavelmente, à pergunta: por que é que eu insisto em afastar-me da questão? Que é, então o que é que se passa com A Vida é um Milagre? E, já agora, se não irei falar do Gato Preto, Gato Branco -, inegavelmente, o favorito da populaça. Bom, o Gato Preto, Gato Branco é um óptimo filme. Consegue ser a ressaca perfeita (e extremamente cómica) do Underground e acrescenta o facto de ter os personagens mais engraçados de sempre do universo do realizador, incluindo - o meu favorito - um velho cigano desdentado, com a carreira de rodas mais cool de todos os tempos e uma obsessão pelo Casablanca.
Agora que já ninguém está a ler, porque ninguém lê posts com mais de dez linhas - toda a gente sabe isso - eu vou falar dos problemas do A Vida é um Milagre. Começam logo pelo facto do filme ter duas horas e meia que não merece, o que só realça a sua mediocridade enquanto trabalho do Kusturica. A história é boa, mas não está bem esgalhada. Falha, sobretudo, na parte do romance, onde algumas cenas francamente boas não chegam para disfarçar a pouca consistência do resto. A música já começa a ser mais do mesmo, ninguém bom da cabeça vai comprar este CD, se já tiver o Gato Preto, Gato Branco ou o Underground. No meio disto tudo falha outro aspecto crucial: as personagens secundárias não têm muita piada. Se nos filmes anteriores os secundários são importantes para compor a estética, seja com comédia ou narrativas paralelas, neste último filme as coisas não correm lá muito bem. Escapa o presidente da câmara, mas rapidamente lhe limpam o sebo; depois há o assessor dele que é uma espécie de Dadan Karambolo (pitbull... terrier!) mas com metade da piada; o gordo que trabalha nos caminhos-de-ferro é um comic relief muito fraquinho; depois temos os dois actores principais a tentar carregar o filme às costas, quando a historieta de amor se começa a desenrolar, e fica sempre a sensação de algum vazio. Não que eles sejam maus actores - as interpretações são consistentes -, mas não têm estaleca para aguentar sozinhos um universo à la Kusturica.
E já não me apetece falar nos simbolismos, da revisitação dos fantasmas da guerra, das metáforas asininas, das camas voadoras, etc. Dito tudo isto, o filme até nem é mau. É bem melhor do que muita merda que se faz por essa Europa fora e que depois se rotula de Cinema - com maiúscula. Mas, sendo de quem é, este milagre tinha obrigação de ser muito melhor.
O Kusturica, como qualquer pessoa que consiga ler esta sequência de letras - WOIAJWD - pode constatar, tem uma maneira de conceber o cinema, e de filmar, muito própria. Não vale a pena estar para aqui a enumerar exaustivamente as características, vocês sabem - alguns até melhor do que eu - que estamos a falar do hiper-realismo, da música cigano-frenética que vai acompanhando os personagens, ou mesmo do Fellini dos Balcãs, como lhe chamam alguns críticos pouco inspirados, entre outras coisas.
Continuando, e, já agora, indo directamente à questão: há uma evolução - ou mesmo uma contínua revolução, se os esquerdotes preferirem - na obra do Kusturica. Mesmo que se mantenha um estilo, este sofre sempre reinvenções, cresce, amadurece, torna-se mais consistente. Assim, antes de 1995 a obra do sérvio só podia caminhar para esse magnífico Underground (a que eu tive acesso imediato, porque, felizmente, tenho uma tia cinéfila que em vez de me dar dinheiro para gelados me levava ao cinema). Depois de ver Underground descobri (e, na altura, sem Internet!) haver When Father Was Away on Bussiness e Time of The Gypsies que, juntando o Arizona Dream, tornavam um Underground inevitável. Argumentarão alguns, bem-intencionados, que Arizona Dream é uma poia de filme; não estando muito longe da verdade. Mas, permitam-me, o filme vale a pena por três razões: cenas do ponto de vista cinematográfico que são extremamente interessantes, Vincent Gallo a fazer a imitação mais hilariante da história do cinema e Jerry Lewis a vender cadillacs.
Tudo isto leva-nos, invariavelmente, à pergunta: por que é que eu insisto em afastar-me da questão? Que é, então o que é que se passa com A Vida é um Milagre? E, já agora, se não irei falar do Gato Preto, Gato Branco -, inegavelmente, o favorito da populaça. Bom, o Gato Preto, Gato Branco é um óptimo filme. Consegue ser a ressaca perfeita (e extremamente cómica) do Underground e acrescenta o facto de ter os personagens mais engraçados de sempre do universo do realizador, incluindo - o meu favorito - um velho cigano desdentado, com a carreira de rodas mais cool de todos os tempos e uma obsessão pelo Casablanca.
Agora que já ninguém está a ler, porque ninguém lê posts com mais de dez linhas - toda a gente sabe isso - eu vou falar dos problemas do A Vida é um Milagre. Começam logo pelo facto do filme ter duas horas e meia que não merece, o que só realça a sua mediocridade enquanto trabalho do Kusturica. A história é boa, mas não está bem esgalhada. Falha, sobretudo, na parte do romance, onde algumas cenas francamente boas não chegam para disfarçar a pouca consistência do resto. A música já começa a ser mais do mesmo, ninguém bom da cabeça vai comprar este CD, se já tiver o Gato Preto, Gato Branco ou o Underground. No meio disto tudo falha outro aspecto crucial: as personagens secundárias não têm muita piada. Se nos filmes anteriores os secundários são importantes para compor a estética, seja com comédia ou narrativas paralelas, neste último filme as coisas não correm lá muito bem. Escapa o presidente da câmara, mas rapidamente lhe limpam o sebo; depois há o assessor dele que é uma espécie de Dadan Karambolo (pitbull... terrier!) mas com metade da piada; o gordo que trabalha nos caminhos-de-ferro é um comic relief muito fraquinho; depois temos os dois actores principais a tentar carregar o filme às costas, quando a historieta de amor se começa a desenrolar, e fica sempre a sensação de algum vazio. Não que eles sejam maus actores - as interpretações são consistentes -, mas não têm estaleca para aguentar sozinhos um universo à la Kusturica.
E já não me apetece falar nos simbolismos, da revisitação dos fantasmas da guerra, das metáforas asininas, das camas voadoras, etc. Dito tudo isto, o filme até nem é mau. É bem melhor do que muita merda que se faz por essa Europa fora e que depois se rotula de Cinema - com maiúscula. Mas, sendo de quem é, este milagre tinha obrigação de ser muito melhor.
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