quinta-feira, agosto 18, 2005

É uma questão de fé?

Lembro-me de um professor de inglês da Universidade, me ter dito um dia que havia qualquer coisa de especial (acho que a palavra foi unique) na ligação entre os fãs dos U2 com a banda irlandesa, um sentimento que não se encontrava em muitos grupos musicais. Isto não para discutir se as pessoas sentem, vibram, deliram mais com os U2 do que com outras bandas – não é bem isso – mas existe mesmo qualquer coisa que separa os U2 das outras bandas da actualidade. Qualquer coisa que leva mesmo pessoas racionais - a par com qualquer labrego - a realizar que mesmo que o Bono seja mesmo um egomaníaco com pretensões messiânicas, é uma banda que inspira, que agarra, com uma música em que habita uma mensagem lírica e musical que é ao mesmo tempo simples e, a espaços, ambiguamente complexa, mesmo que por vezes possa resvalar para o pretensioso.

Há qualquer coisa de vagamente religioso que envolve os U2, e não me refiro ao catolicismo praticante made in Bono. É uma banda que move multidões, de fãs ou críticos, inspira amores, ódios, mesmo fora da esfera musical; para dizer bem ou mal, toda a gente quer ter uma opinião sobre os U2.

Os concertos ao vivo são a prova dos nove de muitas bandas, até fatais em alguns casos. Alguns artistas apostam no show-off musical, com excelentes resultados (no caso da Dave Matthews Band, por exemplo), outros vão por espectacularidades que não vão muito além de coreografias de encher o olho, e alguns seguem o raciocínio do «eles gostaram tanto do álbum que vieram ouvir o disco tal e qual está gravado».

Os U2 vão directos ao lado mais emocional de qualquer fã de música. E isto é tão verdadeiro como eu ter quase escrito que os U2 iam «directos ao coração». Esse é o verdadeiro trunfo do Bono, sobretudo ele, em palco: a capacidade de ligar emocionalmente com uma audiência de cinquenta mil pessoas, durante duas horas seguidas. Seja a gritar pela coexistência, a fazer uma homenagem ao Christopher Nolan, ou a citar versos da Bíblia antes de uma canção. E isto para um irlandês de meio metro, com um ar de quem acabou de acordar na Praia da Rocha depois de uma noite na Katedral, é louvável.

E depois há a música. Mesmo que não tenha muito tempo para vos dizer porque é que o Achtung Baby é o melhor álbum pop/rock de todos os tempos, ou descrever detalhadamente o prazer que foi ouvir pela primeira vez o Zoo Station ao vivo, ter ficado surpreendido pelo facto do With or Without You não ter dado hipóteses ao One desta vez, ou mesmo o arrepio que foi ter gritado o “no more” do Sunday Bloody Sunday, num nível de identificação diferente de outros concertos.
Pena que o Please não tenha passado de um «snippet» no final do Bullet the Blue Sky (que como o One já conheceu melhores desempenhos ao vivo), e que o Original of The Species e Crumbs From Your Table (bem mais interessantes do que All Because of You e Love and Peace or Else), tenham ficado de fora. Mas só a rendição operática do Bono no Miss Sarajevo compensa isso tudo, isto algumas canções depois de o Bono ter cantado aquele verso tocante que diz ao «you're the reason I sing / You're the reason why the opera is in me», dedicado ao pai falecido - um cantor amador de ópera.

Mesmo sem o exagero de outros tempos, ou mesmo o «compromisso», e mesmo que estes novos tempos tenham revelado facetas menos interessantes da banda ou, simplesmente, outras coisas mais interessantes para se ouvir; os U2 continuam a ser uma das minhas bandas. Não sei o que sente um crente durante uma missa, mas correndo o risco de aborrecer gente muito aborrecida, para mim um concerto dos U2 é algo que se aproxima muito de uma experiência (vagamente) religiosa, onde nem é difícil perdoar os disparates ocasionais do «padre».

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Ps - Sobre todo o episódio da condecoração, é favor ler esta descrição - very good.

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