Considerações religiosas, mas sem pregos - I
«Solenemente pendurado alto numa sala central, parece altíssimo, como se estivesse no cimo duma catedral. Sempre admirei imenso este quadro, mas vê-lo ao vivo quase convoca sentimentos religiosos. Não é mais uma imagem de Cristo na cruz este Cristo nem está pregado na cruz. Está suspenso, pairando sobre o madeiro de cabeça caída, braços abertos e pernas unidas. Dali, com enorme ousadia, retira todas as marcas tradicionais da Paixão: não há pregos, não há espinhos, não há sangue. Há um corpo morto que parece vivo pregado sem pregos a uma cruz que voga nos céus, inexplicável como o monolito do 2001 de Kubrick.»
[...]
«O que encontramos de mais glorioso neste Dali é a inteireza do corpo de Cristo, que vemos de cima, quase de trás, com o peso do mundo nas costas, mas reinando supremo. É um Cristo morto mas já ressuscitado. Cá em baixo, temos um porto e barcos de pesca. A Galileia. Ou Port Lligat, na Catalunha. Não importa. A morte e a ressurreição não são eventos abstractos são consequência e remissão do mundo tal como o conhecemos.»
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