segunda-feira, outubro 17, 2005

Dos perigos e armadilhas dos clubes de leitura*

*Eu perguntei-lhe «mas que chatice, não achas que já era tempo de criares um blog teu?», mas ela voltou a insistir que há que fazer alguma coisa para «salvar o teu da miséria umbiguista que por lá vai», e eis que, mais uma vez, este blog é anfitrião - orgulhoso - de um texto da Catarina. Desta vez fala-se de clubes de leitura, para os quais (por razões óbvias) nunca fui convidado.


No ano passado decidi fundar um grupo de leitura feminino, um encontro mensal rotativo para falar de um livro.

A razão principal era pura e simplesmente criar uma plataforma para impingir e debater os livros que me interessam, devo confessar, mas também ser obrigada a ler as sugestões de outras pessoas, ou seja expandir os meus horizontes literários e ao mesmo tempo encontrar um terreno comum. (O meu sonho continua a ser encontrar a minha alma gémea bibliófila).

Os meus motivos não eram totalmente inocentes e irrepreensíveis porque também queria conhecer melhor algumas das minhas amigas, vê-las num contexto diferente, testar teorias secretas sobre as suas personalidades... um make or break em alguns casos.

Era Outono e preparei o terreno cuidadosamente, não descurando nenhum pormenor, já que tinha que desafiar o tempo frio e chuvoso. Primeiro escolhi um livro muito curto (para não assustar a caça...não podia começar pela "Guerra e Paz") que tinha sido recentemente adaptado ao cinema, numa produção espampanante com a Nicole Kidman.
Tratava-se de Stepford Wives de Ira Levin, publicado em 1972.

É um livro de ficção científica ou mesmo de terror (Ira Levin escreveu também Rosemary´s baby) aberto a inúmeras interpretações, completamente "datado", fruto da sua época e perfeito para debater a emancipação das mulheres e o feminismo.

Fiz uma enorme panela de soupa de cenoura com coentros, pizzas caseiras e bolinhos e comprei vinho tinto, de modo a transmitir a mensagem de que o clube de leitura podia ser divertido e ao mesmo tempo reconfortante.

No entanto a noite não correu como eu tinha previsto. Ironicamente, os membros do recém fundado (e logo defunto) clube de livros estavam mais preocupadas em pensar e falar nos maridos e namorados do que participar na discussão do romance sobre a mesa, ou seja elas eram as "Stepford wives"! «Mas não acham que é boa ideia fazermos programas sem homens?», perguntava eu iludida que tinha, de facto, ocorrido uma emanicipação feminina.

Os homens do grupo entretanto tinham-se juntado na casa de um deles a comer, beber e provavelmente a fumar substâncias ilegais, talvez a debater jogos de computador.
O nosso grupo passou então a falar do que liam os homens. «Esqueçam os homens», implorei eu, que tentava conduzir a conversa para os livros. Compreedi que elas me olhavam como se fosse louca.

O próprio tema redundante dos clubes de leitura era polémico «não tenho paciência para clubes de leitura, já fui expulsa de dois...», confessou uma das minhas amigas...Mas porquê?, perguntámos em uníssono...
«Bem, achavam que eu bebia demasiado nos encontros e não levava os livros a sério». A frase foi rematada com uma risada ébria, que de imediato me deu uma enorme vontade de a pôr a andar do clube de leitura. Outra pessoa contou que a mãe frequentava um grupo de leitura há 30 anos, mas que nunca bebiam álcool. «Nem no Natal, imaginem, que chatice! Senti-te tentada a impôr a lei seca no MEU grupo.»

Só que o clube de leitura não voltou a reunir-se e desintegrou-se no inverno londrino. Alguém sugeriu uma biografia enfadonha (que só eu acabei por ler) para a próxima sessão. Mas o resto do grupo não tinha paciência para ler um livro por mês, deslocar-se de transportes públicos em longas distâncias para passar umas horas num ambiente apenas feminino a falar de livros. E depois sentiram-se intimidadas pela minha excitação com o clube de leitura e será que a minha sopa era intragável?

Além de mim, acho que quem chorou mais lágrimas pela curta vida do clube de leitura foram os homens que queriam rédea solta para o igualamente breve "clube da carne".

Num artigo recente no "Guardian" a romancista Rachel Cusk conta que decidiu aderir a um clube de leitura por ter mudado para uma cidade onde não conhecia quase ninguém: "O meu interesse em livros era talvez demasiado fanático para ser limitado pelo decoro dos encontros mensais, mas o que eu estava à procura era de desenvolver cumplicidades". Cusk tinha à sua escolha dois possíveis grupos que lhe foram recomendados por uma amiga, um sério e um frívolo.

Dada a sua intenção de fazer amizades baseadas num amor mûtuo de romances a autora decidiu participar no grupo sério. Este era composto apenas de mulheres de classe média e meia idade que se reuniam nas casas umas das outras uma vez por mês para discutir literatura contemporânea. «Pela primeira vez confirmei que a leitura é uma actividade privada», que na maioria das vezes a imaginação dos livros caía no saco rôto da estrutura organizada e ambivalente do grupo. Cusk, cedo se tornou "persona non grata" pela ânsia de falar de livros considerados "pesados" ou demasiado realistas.

Na verdade, parecia haver um fosso enorme entre Rachel Cusk e as outras mulheres do grupo. "Elas liam como se ler fosse um mistério que esperavam um dia desvendar" foi a frase que descreve a sensação de incompreensão e distanciamento com que algumas pessoas temem a leitura.

Eu cresci literalmente no meio de livros, a nossa casa estava atravancada de livros, novos, velhos, bandas desenhadas, romances, clássicos, livros até ao tecto, encostados às paredes, por todo o lado. Mas descobri que enquanto em portugal determinadas pessoas fingem ler, em Inglaterra fingem NÃO LER (apesar de lerem muito mais do que os portugueses) talvez o fruto do legado empiricista, prático e anti-intelectual dos anglo-saxónicos.

Por isso ainda não desisti de encontrar um clube de leitura que seja indicado para a minha obssessão particular. Existem 50 mil na Grã-Bretanha. Em termos de tipificação social há grupos de mulheres, de homens, de afro-caribenhos, de reclusos. Normalmente os membros do "clube de livros" debatem obras de ficção, mas há grupos dedicados aos policiais, às biografias, à história, à ficção científica e imagino a outras opções menos convencionais.
Os clubes de livros são tão populares que despoletaram um género literário, que são os livros sobre...os clubes de livros. Um dos exemplos mais bem conseguidos é um bestseller nos Estados Unidos: The "Jane Austen book club" de Karen Joy Fowler, sobre um grupo de aficionados da escritora inglesa do século XIX. Cada capítulo é narrado por um membro diferente sob o título de uma obra de Jane Austen.

Desde o sucesso do clube de livros de Oprah Winfrey, fundado em 1996, as editoras passaram a ver o potencial destes grupos de leitura como indicadores dos gostos e do possível sucesso das vendas.

O clube da Oprah é virtual, funcionando na internet e tem quase meio milhão de membros. A mim bastavam-me cinco pessoas talvez reais, vinho à descrição e petiscos, prometo não impingir o James Joyce!

Lista de livros típicos de Clubes de Livros (GL):

* Livros que ganharam o Nobel da literatura ou prémios literários como o Booker ou o Pulitzer (para dar ao GL uma sensação de que é verdadeiramente intelectual)
Ex: Cem anos de Solidão, Gabriel Garcia Marquez;
The God of Small Things, Arundhati Roy

* "Bestsellers" e fenómenos de vendas inesperados (que o GL adora secretamente, mas finge deasprovar):
Ex: The Da Vinci Code, Dan Brown, The Curious Incident of the Dog in the Night, Mark Haddon

* Obras polémicas, eróticas ou violentas (para chocar e desafiar preconceitos classe média dos GL)
Ex: Vernon God Little, DBC Pierre (Peter Warren Finlay); The line of beauty, Alan Hollinghurst

Catarina F.

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