E os macacos terão seratonina?
A Notícias Magazine (DN) de Domingo passado publicou um artigo de Nicolas Revory, traduzido do original que saiu na Science & Vie - Porque Deus nunca desaparecerá (Pourquoi Dieu ne disparatîtra jamais).
O texto de abertura da reportagem arranca com a frase: «o homem está programado para acreditar em Deus, devido à própria estrutura do cérebro humano e, sobretudo, a uma pequena molécula cujo papel crucial acaba de ser identificado».
Lendo o artigo tem-se a sensação (porque o texto não dá para mais) de que não é tanto em Deus que o homem está programado para acreditar, mas sim naquilo a que alguns teóricos chamam de «Ideia Divina». Isto é importante porque a Ideia Divina tanto pode ser Alá, o gajo japonês do gás Sarin no metro de Tóquio , ou a Linda Reis. O texto aborda esta questão numa frase, e não de forma clara, e depois segue alegremente insistindo na palavra Deus. E, parece-me, há uma grande diferença entre estar programado para acreditar nalguma coisa, ou ser induzido a acreditar nela - onde entram factores que estão fora do alcance de um biólogo ou neurologista.
Já a questão da molécula é interessante. Responsável por uma substância que se associa ao extâse religioso, também conhecido como o Divino Orgasmo descrito por Santa Teresa de Ávila, no séc. XVI (um texto intenso, que viria inspirar Bernini a fazer a magnífica escultura da fotografia ali em baixo), explica-se que a substância - seratonina - tem efeitos muito semelhantes aos induzidos por drogas como o LSD ou os «cogumelos mágicos». (No entanto, antes deste estudo, cientistas já tinham avançado a ligação de substâncias semelhantes, como a dopamina, às sensações da religiosidade).
Essa ligação entre os efeitos das drogas halucinogéneas e religião foi descoberto após intenso trabalho dos chamados «neuroteólogos», abrindo dessa forma caminho à possibilidade de inúmeras piadas óbvias, que me vou abster de fazer. (Existem, no entanto, estudos muito interessantes sobre o paralelismo entre o sexo e o sentimento religioso, tanto no aspecto biológico como nos simbolismos dos rituais das demais religiões do mundo.)
A própria controvérsia que envolve a «cientificidade» da disciplina que alguém, que não terá lido Feynman, resolveu chamar de «neuroteologia» não é em lado nenhum referida no texto mas, enfim, temos de começar a aceitar que vivemos num mundo em que já são poucos os que partem para a violência física quando alguém diz que a astrologia é uma ciência.
Que a religiosidade provoca transes, sensações de extâse, plenitude, cosmicidade, vontade de dançar aeróbica divina com o padre Rossi, etc, é um dado milenar que se adquire pelo contacto com os milhões de crentes em todo o mundo. Quando eu ainda perdia mais de dez minutos a discutir a existência de Deus, invariavelmente aparecia a frase fatal: «mas eu sinto o amor de Deus, e tu nunca saberás o que é isso, verme, sobretudo quando estiveres a fagulhar nas chamas do inferno».
Claro que as causas para esse «arrebatamento» podem ir desde um crucifixo colocado num altar, músicas de igreja tocadas em violas com transpositores, ou cantar para um bovino colocado em cima de um pedestal. Diria até que outros tipos de experiência, não religiosas mas, se quiserem, espirituais, também podem levar até ao mesmo estado.
Mesmo se pusermos a hipótese de que a tendência para a religiosidade faz parte de um processo evolucionário, com implicações nos nossos genes, não temos ainda formas conclusivas de o saber; embora seja divertida (especialmente lendo Richard Dawkins) a discussão sobre se seria uma incorporação positiva ou negativa - um erro evolucionário .
O papel da Ciência não é procurar ou desmascarar Deus, mas sim uma busca pelos mistérios do Universo, da nossa existência (onde podem entrar questões da religiosidade). A atitude científica em relação ao dogma deverá ser sempre a do desprezo. E mesmo em face de grandes avanços, retrocessos, ou novas questões que vão sendo levantadas, a presença da Ideia Divina na existência humana parece querer afirmar-se perene e duradoura. E assim será provavelmente durante muito tempo, sobretudo porque a religião tem na Ciência o adversário leal que ela nunca foi.
O texto de abertura da reportagem arranca com a frase: «o homem está programado para acreditar em Deus, devido à própria estrutura do cérebro humano e, sobretudo, a uma pequena molécula cujo papel crucial acaba de ser identificado».
Lendo o artigo tem-se a sensação (porque o texto não dá para mais) de que não é tanto em Deus que o homem está programado para acreditar, mas sim naquilo a que alguns teóricos chamam de «Ideia Divina». Isto é importante porque a Ideia Divina tanto pode ser Alá, o gajo japonês do gás Sarin no metro de Tóquio , ou a Linda Reis. O texto aborda esta questão numa frase, e não de forma clara, e depois segue alegremente insistindo na palavra Deus. E, parece-me, há uma grande diferença entre estar programado para acreditar nalguma coisa, ou ser induzido a acreditar nela - onde entram factores que estão fora do alcance de um biólogo ou neurologista.
Já a questão da molécula é interessante. Responsável por uma substância que se associa ao extâse religioso, também conhecido como o Divino Orgasmo descrito por Santa Teresa de Ávila, no séc. XVI (um texto intenso, que viria inspirar Bernini a fazer a magnífica escultura da fotografia ali em baixo), explica-se que a substância - seratonina - tem efeitos muito semelhantes aos induzidos por drogas como o LSD ou os «cogumelos mágicos». (No entanto, antes deste estudo, cientistas já tinham avançado a ligação de substâncias semelhantes, como a dopamina, às sensações da religiosidade).
Essa ligação entre os efeitos das drogas halucinogéneas e religião foi descoberto após intenso trabalho dos chamados «neuroteólogos», abrindo dessa forma caminho à possibilidade de inúmeras piadas óbvias, que me vou abster de fazer. (Existem, no entanto, estudos muito interessantes sobre o paralelismo entre o sexo e o sentimento religioso, tanto no aspecto biológico como nos simbolismos dos rituais das demais religiões do mundo.)
A própria controvérsia que envolve a «cientificidade» da disciplina que alguém, que não terá lido Feynman, resolveu chamar de «neuroteologia» não é em lado nenhum referida no texto mas, enfim, temos de começar a aceitar que vivemos num mundo em que já são poucos os que partem para a violência física quando alguém diz que a astrologia é uma ciência.
Que a religiosidade provoca transes, sensações de extâse, plenitude, cosmicidade, vontade de dançar aeróbica divina com o padre Rossi, etc, é um dado milenar que se adquire pelo contacto com os milhões de crentes em todo o mundo. Quando eu ainda perdia mais de dez minutos a discutir a existência de Deus, invariavelmente aparecia a frase fatal: «mas eu sinto o amor de Deus, e tu nunca saberás o que é isso, verme, sobretudo quando estiveres a fagulhar nas chamas do inferno».
Claro que as causas para esse «arrebatamento» podem ir desde um crucifixo colocado num altar, músicas de igreja tocadas em violas com transpositores, ou cantar para um bovino colocado em cima de um pedestal. Diria até que outros tipos de experiência, não religiosas mas, se quiserem, espirituais, também podem levar até ao mesmo estado.
Mesmo se pusermos a hipótese de que a tendência para a religiosidade faz parte de um processo evolucionário, com implicações nos nossos genes, não temos ainda formas conclusivas de o saber; embora seja divertida (especialmente lendo Richard Dawkins) a discussão sobre se seria uma incorporação positiva ou negativa - um erro evolucionário .
O papel da Ciência não é procurar ou desmascarar Deus, mas sim uma busca pelos mistérios do Universo, da nossa existência (onde podem entrar questões da religiosidade). A atitude científica em relação ao dogma deverá ser sempre a do desprezo. E mesmo em face de grandes avanços, retrocessos, ou novas questões que vão sendo levantadas, a presença da Ideia Divina na existência humana parece querer afirmar-se perene e duradoura. E assim será provavelmente durante muito tempo, sobretudo porque a religião tem na Ciência o adversário leal que ela nunca foi.
<< Home