Post longo, sem imagens. Contém: considerações pessoais sobre o Brokeback Mountain, a expressão 'gramática do realizador' e um interlúdio humorístico
Da mesma maneira que o Ang Lee fez com que o Hulk fosse um filme de merda, consegue que o Brokeback Mountain seja um grande filme de amor.
Não sobre o «amor gay» (se é que isso existe); mas o amor passional entre dois homens, entre duas pessoas. Não digo que o problema do Hulk tenha sido o facto do Eric Bana não ter sido sodomizado. O que no filme do gigante verde pareceu ser uma obsessão de Ang Lee com o «aprofundar psicológico» das personagens (tendo resultados soporíferos), em Brokeback Mountain é uma gramática natural de um realizador extremamente talentoso.
Não concordo quando se diz que o filme poderia ser o mesmo se os protagonistas fossem um homem e uma mulher, transpondo-se o contexto de repressão/envolvência social/blá-blá-blá. Brokeback Mountain é sobre dois cowboys ('vaqueiros' lembra-me margarina) que se apaixonam no Midwest americano dos anos 60. São estas as «condições» que fazem que o trabalho de Ang Lee resulte num melodrama muito bom.
Interessante a expectativa que se sentia na sala do cinema, durante os momentos iniciais do filme. Acho que é quase impossível haver ali alguém que não soubesse nada do assunto do filme (embora admito que alguns possam ter estado à espera de ver qualquer coisa do género de um Wyatt Earp gay:
Wyatt Earp - You've spread violence in Tombstone for too long, Billy Clanton, I'm taking you to jail and settle this once and for all!
Billy Clanton - Jail? And then what you gonna do, sheriff? Shoot me like a dog?
Wyatt Earp - No. I'll make love to you like a dog, and only after that I'll shoot you.
Billy Clanton - Hey! I'm not gay!
Wyatt Earp - Neither am I, boy, but I sure am horny for you!
-fim do breve interlúdio humorístico-)
Em determinada cena do filme, aquela em que se dá o primeiro «contacto» físico, a expectativa da sala deu lugar a um certo desconforto. Houve pessoas que devem ter feito caras de indignação, outras descobriram ou confirmaram qualquer coisa de que sempre desconfiaram, outras riram-se. Eu, confesso, ri-me. Não me sinto mal por ter rido, e é óbvio que tem a ver com um certo desconforto. Não acho que tenha problemas com a homossexualidade, ou actos homossexuais, como preferirem - mas é algo que não faz parte do meu quotidiano, sobretudo em termos de imagens.
Existe uma espécie de «choque visual», daí o tal desconforto, quando vejo dois homens a bejiar-se. Se, por um lado, me faz achar que as manifestações do género 'orgulho gay' podem ter um papel importante no derrubar de certos tipos de preconceito; por outro, este filme faz mais pela derrocada de algumas barreiras do que uma multidão de travestis histéricos aos gritos pela rua fora.
Ainda assim, não consigo deixar de achar uma certa piada à imagem de dois cowboys de camisa de flanela e calças de ganga justas, prestes a fazer sexo dentro de uma tenda. Sobretudo porque a maneira de falar da personagem do Heath Ledger me lembra o George W. Bush.
Se o primeiro momento intímo dos dois protagonistas me deu vontade de rir, a verdade é que a determinada altura do filme já estava arrebatado pela intensidade do drama de amor em Brokeback Mountain. Como qualquer bom filme do género, a história possibilita leituras diferentes, com aspectos mais subjectivamente marcantes para uns do que para outros.
Os dois actores são excelentes e os diálogos, como em qualquer filme bom do género - lembrei-me das Pontes de Madison County (e aquela intensa cena da conversa no camião, debaixo da chuva)- valem sobretudo pelo que não se diz ou não se consegue dizer (como na vida real).
As questões da repressão social (ou sexual) são importantes no filme, mas as que menos me interessaram. Marcou-me a verdade daquele amor entre dois homens diferentes, e a maneira como cada um se entregou - e rejeitou - à única coisa que podia dar sentido a uma vida vazia. Uma vida que tiveram de escolher ou à qual foram forçados.
O caminho de Brokeback Mountain está repleto de desilusões, mas na (ir)realidade da montanha os dois homens acabam por encontrar aquilo que sempre quiseram e nunca puderam ter. Ambos pagam um preço demasiado alto, embora cada um de maneira diferente, mas a sensação com que se fica é que nenhum deles trocaria aqueles momentos por nada daquele mundo.
A fotografia de Rodrigo Prieto (também fez o Amores Perros e o 21 Gramas) e as interpretações de Anne Hathaway e Michelle Williams, no papel das mulheres de Jack e Ennis, também merecem que se lhes faça justiça.
E, já agora, o trabalho de tradução não estava de todo mau, mas permanece por explicar o porquê de traduzir queer por «rabo».
-I'm not queer!
Eu não sou rabo!
(aqui era impossível não rir, perante a perversão de um tradutor que prefere usar a palavra «rabo» a «maricas».)
Da mesma maneira que o Ang Lee fez com que o Hulk fosse um filme de merda, consegue que o Brokeback Mountain seja um grande filme de amor.
Não sobre o «amor gay» (se é que isso existe); mas o amor passional entre dois homens, entre duas pessoas. Não digo que o problema do Hulk tenha sido o facto do Eric Bana não ter sido sodomizado. O que no filme do gigante verde pareceu ser uma obsessão de Ang Lee com o «aprofundar psicológico» das personagens (tendo resultados soporíferos), em Brokeback Mountain é uma gramática natural de um realizador extremamente talentoso.
Não concordo quando se diz que o filme poderia ser o mesmo se os protagonistas fossem um homem e uma mulher, transpondo-se o contexto de repressão/envolvência social/blá-blá-blá. Brokeback Mountain é sobre dois cowboys ('vaqueiros' lembra-me margarina) que se apaixonam no Midwest americano dos anos 60. São estas as «condições» que fazem que o trabalho de Ang Lee resulte num melodrama muito bom.
Interessante a expectativa que se sentia na sala do cinema, durante os momentos iniciais do filme. Acho que é quase impossível haver ali alguém que não soubesse nada do assunto do filme (embora admito que alguns possam ter estado à espera de ver qualquer coisa do género de um Wyatt Earp gay:
Wyatt Earp - You've spread violence in Tombstone for too long, Billy Clanton, I'm taking you to jail and settle this once and for all!
Billy Clanton - Jail? And then what you gonna do, sheriff? Shoot me like a dog?
Wyatt Earp - No. I'll make love to you like a dog, and only after that I'll shoot you.
Billy Clanton - Hey! I'm not gay!
Wyatt Earp - Neither am I, boy, but I sure am horny for you!
-fim do breve interlúdio humorístico-)
Em determinada cena do filme, aquela em que se dá o primeiro «contacto» físico, a expectativa da sala deu lugar a um certo desconforto. Houve pessoas que devem ter feito caras de indignação, outras descobriram ou confirmaram qualquer coisa de que sempre desconfiaram, outras riram-se. Eu, confesso, ri-me. Não me sinto mal por ter rido, e é óbvio que tem a ver com um certo desconforto. Não acho que tenha problemas com a homossexualidade, ou actos homossexuais, como preferirem - mas é algo que não faz parte do meu quotidiano, sobretudo em termos de imagens.
Existe uma espécie de «choque visual», daí o tal desconforto, quando vejo dois homens a bejiar-se. Se, por um lado, me faz achar que as manifestações do género 'orgulho gay' podem ter um papel importante no derrubar de certos tipos de preconceito; por outro, este filme faz mais pela derrocada de algumas barreiras do que uma multidão de travestis histéricos aos gritos pela rua fora.
Ainda assim, não consigo deixar de achar uma certa piada à imagem de dois cowboys de camisa de flanela e calças de ganga justas, prestes a fazer sexo dentro de uma tenda. Sobretudo porque a maneira de falar da personagem do Heath Ledger me lembra o George W. Bush.
Se o primeiro momento intímo dos dois protagonistas me deu vontade de rir, a verdade é que a determinada altura do filme já estava arrebatado pela intensidade do drama de amor em Brokeback Mountain. Como qualquer bom filme do género, a história possibilita leituras diferentes, com aspectos mais subjectivamente marcantes para uns do que para outros.
Os dois actores são excelentes e os diálogos, como em qualquer filme bom do género - lembrei-me das Pontes de Madison County (e aquela intensa cena da conversa no camião, debaixo da chuva)- valem sobretudo pelo que não se diz ou não se consegue dizer (como na vida real).
As questões da repressão social (ou sexual) são importantes no filme, mas as que menos me interessaram. Marcou-me a verdade daquele amor entre dois homens diferentes, e a maneira como cada um se entregou - e rejeitou - à única coisa que podia dar sentido a uma vida vazia. Uma vida que tiveram de escolher ou à qual foram forçados.
O caminho de Brokeback Mountain está repleto de desilusões, mas na (ir)realidade da montanha os dois homens acabam por encontrar aquilo que sempre quiseram e nunca puderam ter. Ambos pagam um preço demasiado alto, embora cada um de maneira diferente, mas a sensação com que se fica é que nenhum deles trocaria aqueles momentos por nada daquele mundo.
A fotografia de Rodrigo Prieto (também fez o Amores Perros e o 21 Gramas) e as interpretações de Anne Hathaway e Michelle Williams, no papel das mulheres de Jack e Ennis, também merecem que se lhes faça justiça.
E, já agora, o trabalho de tradução não estava de todo mau, mas permanece por explicar o porquê de traduzir queer por «rabo».
-I'm not queer!
Eu não sou rabo!
(aqui era impossível não rir, perante a perversão de um tradutor que prefere usar a palavra «rabo» a «maricas».)
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