quinta-feira, janeiro 11, 2007

Evidências

«Depois, num ápice, num acaso, numa esquina imprevista, a estopa chega-se ao fogo e o amor não tem retorno. Até que se consome. Até que se consuma.

Um rosto de repente necessário, uma voz inevitável, um sorriso inesquecível, um gesto o mais luminoso dos gestos. Num ápice, o medo é igual ao inexplicável sentido de tudo, e há uma pessoa, uma única pessoa em todo o mundo, pela qual abandonamos o cepticismo, ignoramos a inconveniência, desprezamos o sarcasmo, suportamos a incompreensão, aceitamos o sofrimento como se fosse comunhão em espécie.

Estamos num domínio espectral mas tão concreto: o domínio das evidências. O organismo todo em uníssono, veias e sono e fôlego a noite dentro. O medo é um nervosismo no abdómen que se confunde com a sensação de estar aqui, agora, integralmente vivo e cheio de deus. E isso é razão bastante para ter medo. Muito medo. Medo de jogar tudo. Medo de perder tudo. Medo da aniquilação, uma aniquilação que não podemos enganar, submergir, enterrar às pazadas.

O medo do amor e o amor são uma e a mesma coisa. É o único destino humano decente, o único destino humano aceitável. Aceitar o mundo e aceitar o medo, como se esse fosse o nosso único nascimento.»

Pedro Mexia, Primeira Pessoa
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