A 'partida' de Shyamalan
Ir ver The Village à espera de uma shyamanalada cheia de saltinhos na cadeira, de argutas reviravoltas na história e de um thriller de proporções hitchockianas é capaz de ser uma desilusão ainda maior de que o Signs. The Village não é um excelente thriller, o twist final é um bocado palonço, mesmo que algumas das cenas reafirmem que estamos perante um cineasta muito talentoso. O que vale mesmo é a história de amor. Sim, leram bem: a história de amor. E é aí que Shyamalan confirma o seu estatuto de the-continuous-next-big-thing. Quem mais para conseguir inflamar um filme, com um argumento assim-assim, através de um pungente romance entre a filha do Richie Cunningham da 'Happy Days Gang', e um Joaquin Phoenix – que depois das canastrices do Gladiator – parece que andou numa dieta de sedativos para cavalos. Brinco, mas as interpretações dos dois são mesmo pujantes. Ela, naquele cliché da ceguinha que vê mais do que os outros, é o elemento mais vibrante num filme que é (propositadamente) de uma monotonia cromática constante. Ele, exala uma confiança e serenidade que saltam do ecrã e (felizmente) aterra na cabeça do anormal que não para de fazer barulho com as pipocas. Eles são opostos, eles complementam-se, eles estão apaixonados loucamente. Mas o que é diferente aqui é conseguir saber tudo isso através de uma economia de diálogos que faria inveja a qualquer filme pornográfico, contacto físico quase inexistente, mas muito mais – muito mais – do que, por exemplo, todas as intermináveis horas que o Antony Minghella leva para nos tentar convencer que a Kirstin Scott Thomas e o Ralph Fiennes têm alguma coisa de especial, naquela pasmaceira que é o Paciente Inglês.
Há uma cena que diz tudo. Que é muito mais arrepiante que qualquer dos sustos que o realizador também nos vai acabar por pregar. Abafam-se os espantos, as vozes, e no meio da confusão duas mãos encontram-se. Ele guia-a pela multidão em pânico, sem nunca trocarem uma palavra, ela sabe que é ele – ele, admite que ela é a tal. É magistral.
Muito já foi, e será certamente, escrito e dito sobre o filme. A parábola onze de setembrista, o homem como verdadeiro inimigo de si mesmo, o poder da realidade construída, etc.etc... Mas, e volto a repeti-lo, o verdadeiro twist do filme é este: às tantas torna-se numa história sobre até onde estamos dispostos a ir pelo nosso amor. E até está bem feito. Eu gostei da partida.