Para a minha geração o Papa João Paulo II é ‘O’ Papa. Crentes, críticos, agnósticos, ateus,
hippity-hoppers, todos crescemos a ver Karol Wojtyla como
il capo da Igreja Católica. É interessante que tenha sido o terceiro maior pontificado da história da Igreja, e sem dúvida um dos mais importantes de toda a história do Papado.
As dimensões e os vários planos em que a acção mundial do Papa João Paulo II se desenrolou são tremendas, e certamente motivo de frenética produção mediática nos próximos dias. Um dos aspectos mais importantes será a sua acção no que diz respeito à queda do Comunismo no mundo.
Que o Papa tenha sido uma voz firme contra o bloco soviético, e o espectro do comunismo, não me parece muito surpreendente. A Igreja Católica não é, nem nunca foi, uma entidade apolítica. E não é surpreendente que desenvolvesse um combate contra uma ideologia política cujos limites doutrinários são colocados bem para lá da esfera do político. O próprio comunismo declarou guerra à religião antes de João Paulo II o fazer.
Isto não para desmerecer o papel do Papa na queda do Bloco Soviético, que terá sido importante, mas não determinante. Louvável é que Karol Wojtyla tenha percebido que o comunismo era mais do que uma ideologia política, e que tenha combatido o tipo de totalitarismo (aquele que pretende dominar todos os aspectos do humano) como melhor soube.
Outra dimensão importante deste pontificado foi o preenchimento sem falhas que João Paulo conseguiu de uma das expressões feitas do nosso tempo: a de “grande comunicador”.
As suas viagens, a sua aproximação aos católicos de todo o mundo, o seu domínio de vários idiomas estrangeiros – aliados a uma explosão mediática que transmite para todo o mundo os feitos deste Papa dos tempos modernos – deram a J.P. II um estatuto que só mesmo uma figura como um Papa conseguiria alcançar. Uma estrela rock nunca seria levada tão a sério, um político nunca durante tanto tempo.
No entanto, nos últimos anos, formou-se uma dimensão do papa completamente diferente. Não a do Papa que fazia esqui nas montanhas, que reuniu com Lech Walesa em 1983, que se ajoelhou com o arcebispo da Cantuária em 1982.
A partir de metade dos anos 90 o Papa foi assumindo uma aura cada vez mais universal, e ao mesmo tempo mais simbólica e icónica. O ecumenismo, as viagens “mais pacíficas”, as mensagens de paz; mesmo o conservadorismo reaccionário da Igreja (a roçar a irresponsabilidade social e moral, em assuntos como o preservativo e a homosexualidade) aparecia dissimulado na “missão unificadora” do Papa.
Mais tarde, com os anos da debilitação e da doença, esta dimensão ainda se tornou maior, e todas as outras parecem ter sido passadas para segundo plano. Diminuído e fragilizado, o papado ainda simplifica mais a mensagem, o que a acaba por tornar mais acessível e tocante. A própria nova imagem de João Paulo II, uma imagem de debilitação, de luta, de sobrevivência, é ao mesmo tempo inspiradora e absorvente, para os católicos (e não só), e inquietante e perturbadora para quem critica a Igreja - ao mesmo tempo que reforça as teorias conspirativas do controle que se exerce nos corredores do Vaticano.
O Papa acabou por assumir uma característica ainda mais extra-terrena, não é alguém com quem se possa argumentar (não no sentido literal, é óbvio), é ele mesmo cada vez mais um símbolo, uma imagem, e bem sabemos como o catolicismo gosta de símbolos de sofrimento. Daí um compaixão tão pungente e sentida por muitas pessoas por esse mundo fora. O Papa de combatente vitorioso (recuperou terreno mundial para a Igreja Católica) passou a mártir vivo. E, se em toda a sua acção nunca deixou de inspirar as pessoas - o que é extraordinário - ao mesmo tempo conseguiu tornar ainda mais díficil (sobretudo em certas 'camadas') o diálogo e progresso, tanto instropectivo como dentro da própria instituição e na relação desta com o mundo exterior.
A atracção que o debilitado João Paulo II chamou para sua figura (embora não acredite que fizesse parte de uma 'estratégia') de certo modo fracturou a relação entre Papado-Igreja-Fiéis. A figura humana (e sofredora) de Wojtyla cresceu, em certos pontos, ainda mais do que a cúpula de Miguel Ângelo. Os recursos de comunicador do Papa, embora limitados pela doença, não deixaram de atingir outro tipo de níveis e de mensagem.
Muito interessante será agora ver, sobretudo nesta geração, a reacção a um novo Papa. Uma Papa que será articulado, que terá de explicar uma visão, defender pontos de vista – em suma, que estará a um nível mais ‘humano’ -, e que terá de responder de acordo, aos desafios do século XXI.
Achtung, Pope!Nota: É evidente que neste blog não se professam quantidades industriais de amor pelas religiões institucionalizadas. De qualquer modo, ignorar o peso da Igreja Católica na nossa sociedade seria autista, assim como não reconhecer a importância de grande parte da sua acção social, os pontos positivos da sua doutrina; sem esconder e apontar as falhas e o carácter reaccionário da instituição, assim como as inúmeras contradições que professa.Eu próprio (albergue de várias falhas e contradições) tentei - em vão - viver em Roma durante um ano, sem ver o Papa (achei que seria melhor para os dois); mas num domingo solarengo de Maio acabei por ser abençoado por sua eminência em plena Praça de S. Pedro. Nem o magnífico colunato do Bernini me conseguiu proteger, empurrado que fui por uma horda de americanos sebosos - temerários daqueles hooligans que tocam tambores e entoavam cânticos com o nome de Giovanni Paolo.