Vários tipos de liberalismo em exposição na Grande Convenção Liberal de Cinfães.Até há alguns meses nunca tinha ouvido falar de Hayeck, se me perguntassem sobre Oakenshott diria que gosto dos remixes, mas não ligo muito a DJs; e ao sermão “Kant é um dos principais responsáveis pela liberdade que tens hoje”, pergunto: e para isso é preciso escrever daquela maneira?
No entanto, confesso, aprecio bastante este furor liberal, neo-liberal, conservador-liberal, uber liberal, liberal de inspiração cristã, liberal de inspiração suburbana, liberal de inspiração molar, e todos os outros que grassam e dinamizam a blogosfera portuguesa. “The liberal way of life” é agora a melhor coisa que podia acontecer à Humanidade, apregoado por gente que confessa odiar utopias, mas quase que fala do liberalismo como uma.
Mas causa-me uma certe espécie este desprezo contra tudo o que tenha a palavra Estado, que joga com um pessimismo antropológico de matiz bananarama ou lá o que lhe quiserem chamar. No meio disto elogiam-se grandes figuras como Rupert Murdoch. E escrevem-se textos do género “eu sou conservador mas sou muito fixe”, ou “eu sou de direita mas acredito na existência do orgasmo feminino”.
De facto, é das minhas dinâmicas preferidas nos blogues: a necessidade de doutrinar os outros lado a lado com a auto-justificação.
Mas há coisas que não percebo bem. (Oh, o choque – uma admissão de ignorância num blog.) Como o liberalismo de origem conservadora, ou conservadorismo progressista, ou o puro conservadorismo, acho. Ser conservador é querer conservar exactamente o quê? A família como unidade nacional e o Atlântico como força congregadora das peregrinações a locais de culto religoso-comercial, como Fátima ou o Colombo? As instituições perenes da nação, menos o clientelismo, o Estado Providência, a Constituição desactualizada, a representatividade eleitoral e circular e o semi-presidencialismo de tipo tartaruga nas Seychelles? Se eu for conservador, de direita, e católico-fatimista, tenho de achar que a política externa norte-americana não é fruto de congeminações de políticos que usam a capa de neo-realismos, realpolitiks, e conceitos académicos martelados para justificar a evidência da sua mediocridade política, estadista e, em certos casos, até humana? E depois há os neo-cons, ou como dizia um amigo meu, um jovem suburbano, os neo-conas.
E, já agora, porque é que a alternativa ao Estado que temos hoje, que é claramente um modelo em falhança, tem de ser a progressiva obliteração deste? O problema com os mercados selvagens, é que os mercados não são realmente selvagens. Não vejo um caminho equilibrista, mas antes um minimalista, em que um punhado de grupos, corporações, homens, o que quiserem, podem controlarem áreas vitais da sociedade. Estou a tentar arduamente não utilizar a expressão “as corporações maléficas que querem dominar o mundo”, a sério que estou.
E depois não é a livre circulação de capitais, mercadorias, serviços, pessoas, sexo – o que quiserem --, que me causa particular impressão, acho isso tudo muito bonito. Oportunidades iguais para todos. Mas a questão da circulação da informação é algo que incomoda. Por exemplo, num cenário de uma total privatização de serviços de saúde, quem é que me vai garantir que qualquer tipo que tenha um Dr. antes do nome, não me vai dizer que eu preciso de uma operação indispensável para redireccionar o meu arteróido ramificante em três centímetros, e cobrar-me qualquer coisa como dez mil euros? Existem provas que milhares de pessoas por ano são submetidas a cirurgias completamente inúteis, e não sou eu ou lunáticos michael-mooreanos que inventam factos destes. E também há as questões ambientais, extremamente importantes, e que vão bem para lá dos histéricos que gritam pelo protocolo de Quioto ou contra o fumo das chaminés da co-incineração.
Desconfie-se da natureza humana, desconfie-se de idealistas e utopias, e até de pessoas que fazem doutrina política por pontos; mas o que é que fica? O mercado? O mercado que sobe, está em alta, acorda bem disposto mas soçobra quando um qualquer fundo de risco se lembra de emigrar?
Haveria, é certo, questões mais pertinentes para levantar, e argumentos mais capazes para construir, mas são seis e meia da manhã e na televisão está uma miúda de oito anos a falar com algo que parece uma meia roxa de cabelo verde. Felizmente o turno das madrugadas já acabou.