Before Sunrise apareceu por volta de 1995. Acho que o vi em 96 ou 97. Um puto que tentava ansiosamente perceber onde é que entrava o amor, a paixão, a poesia, no meio de tanto Bauhaus, Bar dos Trezentos, Alcântara-Mar e Bairro Alto (ainda em versão alternativa). Quando as raparigas e os rapazes passavam a maior parte da noite em grupos separados, até que, invariavelmente, dois espécimes se juntavam numa espécie de absorção das entranhas da alma no meio da pista de dança. O resultado acabava por ser um de dois possíveis: alguém começava a choramingar embriagadamente (uma amiga, ou amigo, «traído»; um dos amantes arrependidos), ou alguém tinha de ir vomitar.
Before Sunrise era um daqueles sinais, assim como - imagine-se! - as Folhas Caídas, de que podia haver algo para além daquilo tudo. Que tinha de haver. Promessas de promessas de viagens por terras distantes, e o amor espontâneo, sem defesas, sem joguinhos, sem fronteiras. Sinceramente, nem me lembro assim tão bem do filme. Só que era bonito, bonito daquela maneira que não se consegue dizer bonito sem parecer um sentimentalóide. É bom gostar de coisas bonitas.
Claro que, um ano depois, quando fiz o inter-rail também fiquei à espera de conhecer uma francesa, por quem me apaixonaria loucamente, a quem dedicaria sonetos adolescentes e manhosos, e, eventualmente, esqueceria à terceira carta. Acabei por não ter muita sorte. Nessa célebre viagem de 1997 (15 cidades em 30 dias), as únicas mulheres com quem tive conversas por mais de cinco minutos – à excepção, obviamente, das minhas companheiras de viagem – foram duas islandesas cujo cabelo não devia ver água há mais de uma semana (parecia a cabeleira de um boneco Nenuco); e uma drogada berlinense gorda, que andava com uma malinha de médico e um namorado que insistia em tentar saltar pela janela de um comboio que viajava a 100km/h. A parte das festinhas que ela me fez na cara deve ter sido o ponto alto da noite.
Agora aparece Before Sunset. Ethan Hawke e Julie Delpy estão mais velhos, ele casado, escritor best-seller, ela activista bipolar e compositora de valsas para guitarra nas horas livres. A crítica diz, e diz bem, que estão mais cínicos, desiludidos com o amor, a vida, e com o primeiro encontro prometido mas falhado.
Eu também estou mais velho, e a crítica diz, não sei se muito bem, que sou um tipo cínico (o significado deste «cínico» é mesmo o grego, da escola de pensamento cínico - que acabou quando nenhum dos professores apareceu no segundo dia, por não acreditar realmente na importância do ensino - estamos entendidos?), mas ainda não estou desiludido nem com o amor nem com a vida, talvez um bocado com o Sporting.
Claro que a questão aqui é, mais uma vez, a seguinte: a falta de coerência dos meus textos sempre que tento escrever sobre um filme (ver o post sobre A Vida é um Milagre, ou talvez não).
Há uma parte do filme em que o Jesse (Ethan Hawke) diz qualquer coisa do género: há uma ideia que temos, quando somos mais novos, que iremos sempre conhecer pessoas, que aquele amor verdadeiro ainda vai aparecer, o que, muitas vezes, não acontece. É uma ideia perturbadora. Mas, mais tarde, felizmente, ele contradiz-se de forma magnífica, e, nessa altura, apetece dizer: «Jesse my man, you are full of shit!» E é essa humanidade, essa falibilidade e pouca coerência humana, que fortalece o realismo destes dois filmes. É em coisas destas que a expressão «câmara intrusa» ganha mesmo força. Há poucos pares românticos do cinema que parecem tão carne e osso como estes dois, nas suas contradições, nas conversas, na química, no conforto com que gravitam à volta um do outro. São filmes que, mesmo rodados em cidades lindíssimas, essas não deixam de ser tão espectadoras como nós. São os diálogos que carregam as personagens, a história, que puxam consigo a câmara e, incondicionalmente, o espectador. O filme é conversa. E as frases que eles trocam, ao mesmo tempo que são só deles, são também de todos nós. Há um bocado neste filme que todos podem aproveitar. Seja uma conversa, uma sensação, uma cumplicidade ou uma vontade, ou mesmo aqueles sonhos que projectamos à noite para fora das minúsculas paredes dos nossos quartos.