Ainda o leitor devidamente identificado, e agora sobre o post
E os macacos terão seratonina, escreve:
«me parecer que levanta uma questão interessante, que acabará porventura por encontrar resposta nas duas hipóteses. Estaremos com toda a certeza 'programados', e não sei se o termo é o melhor, e obviamente que somos induzidos. A questão da 'ideia divina' carece de um objecto para se consubstanciar numa Fé concreta por uma figura de Deus… Ainda que seja a do Deus Rá!...
Assim acho que o artigo que publica no blog acaba por ser menos sólido do ponto de vista da reflexão, mas simplesmente porque denota falta de 'pensamento'. Só num óvulo receptivo é que o espermatozóide pode dar em algo mais… não é?? Então, da mesma forma, só porque a criatura humana é receptiva, ou se preferir está programada na sua memória genética para a ideia divina, é que se sente 'empurrada' para escolher um Deus no qual possa melhor consubstanciar a sua ideia de divino… »
Existe aqui um certo equívoco em relação ao que se escreveu no post, ou o que se pretendia ter escrito, admito que por factores internos deste espaço as ideias possam não ter ficado claras.
O texto não pretende levantar um linha divisória, ou excluir uma das hipóteses em detrimento da outra. O raciocínio apresentado pelo autor do e-mail é lógico e até foi um dos aspectos em que o tal artigo da NM pecou por falta de desenvolvimento.
Quando eu falei numa «grande diferença entre estar programado para acreditar nalguma coisa, ou ser induzido a acreditar nela», era exactamente porque senti que havia uma deficiência no texto da revista em fazer a tal distinção entre Ideia Divina e Deus, levantando a possibilidade de alguém chegar ao fim do artigo e achar que o ser humano está programado a acreditar especificamente em Alá, Jeová ou Rá.
Aliás, a razão que me levou a escrever o texto foi ter sentido que o artigo não era totalmente fiel para com as questões que envolvem a ciência e a religião, sobretudo no campo da biologia ou genética, não tanto pela teoria que apresenta (que nunca me passaria pela cabeça rejeitar) mas sim pela falta de contextualização e toda a informação omissa. Ainda que o tenha feito com as evidentes lacunas de quem não é cientista.
É até, se preferirmos, um conjunto meio solto de parágrafos e reflexões, sobre dois assuntos que me interessam especialmente, ciência e religião, que pela importância que assumem na nossa civilização merecem certos cuidados especiais. Como não falar em «neuroteologia» como uma disciplica científica, não referir outras estudos sobre o mesmo assunto, e imprimir frases como «o homem está
programado para acreditar em Deus», etc. Mesmo que a frase fosse, como defendem alguns cientistas: «a espécie humana
programou-se, ao longo da evolução da Humanidade, para acreditar numa Ideia Divina», não estaríamos nem perto de uma ideia consensual à luz da ciência do séc. XXI.
Talvez seja mais fácil se responder directamente a outro excerto do e-mail, quando diz:
«Não se discute a ideia de Deus, deve ou pode discutir-se a existência de Deus, e creio que para o fazer, eventualmente do lado da ciência, como do lado da religião, a objectividade falha… »
Aqui é que eu e o meu correspondente discordamos completamente. A ideia de Deus discute-se, e deve ser discutida. Dessa discussão, dessa reflexão, encontramos respostas (e perguntas) muito mais relevantes sobre o nosso papel como seres humanos, do que discutindo a existência de Deus.
O porquê da presença de uma Ideia Divina ao longo de milhares de anos da história da nossa espécie, tentar perceber se existem razões biológicas, evolucionárias, genéticas, culturais, para essa presença; saber porque certas civilizações preferiram certo tipo de crenças em detrimento de outras e como isso influenciou o desenvolvimento dos povos, a razão do monoteísmo ter começado a dar os primeiros passos no Médio Oriente, etc., entre várias outras.
A existência de Deus, obviamente, também pode ser discutida, embora me pareça que seja uma questão que quando não está fortemente associada a uma educação (ou cultura), decorre de um entendimento existencial, que por sua vez está limitado às ferramentas (intelectuais ou emocionais) que possuimos para o fazer. Sem falar na tal questão da «perda da objectividade», que pode levar a trocas de ideias acaloradas, ou até bonitas, mas que se transforma facilmente em retórica estéril (em qualquer dos lados).
No meu caso, e porque me parece ser relevante sair do armário, diria que sou agnóstico se me confrontarem com a ideia de um ser superior, e um ateu
borderline no que diz respeito a qualquer religião institucionalizada. Já há alguns anos que me deixei de entregar com o fervor dos tempos adolescentes a discussões sobre a existência de Deus, já que não chegam nunca a conclusões e acaba-se sempre no plano da Fé e no «eu sinto, tu não, mas somos todos amigos». No entanto, por exemplo, não partilho a teoria do grande Richard Dawkins, para quem a religião é um erro evolucionário que só traz prejuízos ao nosso desenvolvimento como espécie; e respeito, até certo ponto, as crenças dos outros.
Mas, ou por falta de pensamento ou de uma linha editorial pouco coerente (também poderá ser sono), não me está a apetecer falar por aí do papel desempenhado pela Igreja na esfera social, de dogmas, misticismos e superstições, e moralidades religiosas. Fica para outro dia.